terça-feira, 7 de junho de 2011


Menina MULHER

Nasci de um momento que parecia ser mais medo que felicidade, ele aos poucos se apossou de tal maneira, brutal e descontrolada, que rompeu os laços de amor e carisma criados pela presença e pela companhia.
Aos poucos fui crescendo, percebendo um mundo novo e a cada dia mais protegida e menos guardada estava dos males que me esperavam. Descobri aos poucos que o meu mundo encantado, desencantava e tornava-se um terror, insano e destrutivo. Morreu meus pássaros, minhas borboletas e minhas flores se foram aos poucos com minhas lágrimas.
Fui descobrindo e desbravando um mundo novo, conhecido e somente visto em momentos felizes e sorridentes, mas aos poucos a dor da perda e a perda da presença o encheram de uma tristeza tão forte e pesada, tão monstruosa e adulta. Fui-me tornando cada vez mais um ser que não sabia onde pisava ou onde poderia encontrar uma proteção.
Criei-me longe de minha infância, mas pude construir outra diante de minha nova morada. Aos poucos fui percebendo que do ser ancião jorrava amor, havia beleza ali e aos poucos fui me tornando um ser que fazia parte daquelas frias paredes.
Muitos momentos felizes passei diante da majestosa presença encantada da bruxa malvada e boazinha, da serpente que cuspia veneno e flores, estive encarcerada por mãos que ao mesmo tempo amordaçava-me com o medo e afagava-me com um terno amor de mãe sem ser.
Um dia, meu castelo cresceu e pude ver outros mundos ao meu ser agregado, conheci pessoas, lugares diferentes, aos poucos e quando podia, colocava essas recordações em minha bolsinha costurada no tecido de minha alma, com a agulha de meu destino, com fios formados pelas experiências minhas, vividas com medo e admiração.
De repente parece que uma tempestade imensa rodeava meu castelo encantado, mas eu, com minha puerilidade e imaginação, não tinha, nem queria sentir medo, pensar no futuro trazia a meu peito uma dorzinha estranha, danada e assustadora.
Comecei a perceber que minhas vontades eram a de sair de meu castelo para conhecer mais, lugares diferentes, pessoas diferentes, um mundo totalmente desconhecido, mas o medo ainda imperava, minha vontade estava dividida entre meus sonhos, meus medos e minhas fantasias.
Um dia sem ao menos esperar, estive separada dos seres que eu mais amo e um ser, que eu considerava que seria para toda vida, foi-se para longe e de lá parece ter me esquecido para sempre. Lágrimas caíram e cairão muito mais, tenho certeza, não sei quem é certo ou errado, ou se existe certeza de que um erro é erro e convicção de que se está certo. Meu mundo parece estar sendo atacado por uma legião de soldados chamados saudade e decepção.
Como se não bastasse, foi atingida em cheio na parede principal de meu castelo, de repente eu não tinha mais forças, nem coragem para continuar, não queria mais sorrir, mas havia sempre um sol que me fazia erguer os olhos, um sol-ser que me fazia enxergar as estrelas e o brilho da noite de meu silêncio, um ser-sol que iluminava aqueles momentos com palavras que nem eu imaginava ouvir de um humano, acho que na verdade esse meu sol não é humano, é uma fada escondida dentro de um corpo de um homem.
Fui-me reconstruindo aos poucos, cada tijolo foi colocado no lugar, mas a ferida ainda latejava com muita força dentro de meu peito, cada tijolo colocado é um momento lembrado, sei que jamais serei a mesma, pois o rio que levou os pedaços dos tijolos da parede de meu castelo, também levou minha felicidade e a minha vontade de poder ver o mundo sorrir.
Como se tanta dor não bastasse, recebi no alto de minha recuperação, uma rasteira tão grande, tão forte que demoliu os alicerces de meu castelo, dessa vez tudo foi abaixo, inclusive minha vontade de viver. Para que viver mesmo se o mundo não serviria? Para que continuar ali de pé se o que me sustentava se foi com as tempestades que eu tentei fugir e me abrigar por tanto tempo? Eu sei que a vida continua, mas são tantas feridas, tanta dor, tanta ausência... Como eu poderei, sendo menina, viver no mundo enfestado de adultos covardes e loucos para acabar de me destruir?
Eu não sei mais o que fazer, pois o que me ensinava a fazer foi destruído, o que me ensinava a viver foi levado pelas águas do rio de minhas lágrimas.
Quando eu me dou conta de que ainda estou viva e respirando, meu sol novamente surge depois de ter ficado longe de mim, eu não poderia enxergá-lo, pois estava com os olhos fechados pelo medo, tapados pela dor. Aos poucos surge em minha vida uma lua linda e brilhante, sei agora que nunca mais ficarei sozinha, pois terei o sol para brilhar e iluminar meu novo mundo durante o dia e uma lua gigantesca para acalentar-me e proteger-me durante a noite.
Muitas pessoas passaram a conviver comigo, algumas nutriam também medo e desespero, mas aquela menina não mais existia, percebi aos poucos que a mulher que vivia dentro de mim, passou a tomar conta de minha vida e a colocar a menina dentro de mim para dormir um longo e profundo sono.
O sol e a lua, agregados a minhas novas experiências, puderam me fazer enxergar tudo o que havia por perto, felicidade, falsidade, dor e penar, tranquilidade e medo, luta e acomodação, tudo me foi mostrado com tanta fúria e força que às vezes nem mais sei quem sou, sei apenas que não mais sou uma menina, mas também não sou mulher por completo, sou uma menina mulher que é capaz de rir e chorar, de tentar, mas que ainda tem medo do mundo lá fora, que teme e treme ao pensar num bicho chamado futuro que habita fora dos muros de meu novo castelo.
Serei uma mulher de poder e conseguirei destruir com bondade os demônios que tentaram fazer de minha vida um cemitério.

Valteones da Silva Rios

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